Burnout: o esgotamento no ambiente de trabalho
- Josiane Tonelotto 
- 8 de jul.
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Atualizado: 10 de jul.

O trabalho nos confere dignidade. Essa parece uma verdade incontestável. No entanto, se isso é verdadeiro porque muitas vezes as pessoas se sentem esgotadas, com a sensação de que nada do que faz tem valor? Por que adoecem de fato, por exaustão? Muitas pessoas experimentam hoje, no trabalho, quadros extremos de esgotamento e desenvolvem a famosa Síndrome de Burnout.
Mais do que uma simples fadiga ou episódios de estresse, o Burnout é hoje reconhecido como um fenômeno ocupacional.
A Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional caracteriza-se pela exaustão emocional, despersonalização e redução da realização profissional. A etimologia do termo é reveladora de sua natureza: "burn" (queimar) e "out" (exterior) sugerem um processo de combustão completa, no qual os recursos internos do indivíduo são consumidos até o esgotamento total. Esta metáfora captura adequadamente a experiência vivenciada por aqueles que desenvolvem a síndrome, uma sensação de ter sido "queimado" pelas demandas excessivas do trabalho. Trata-se de uma resposta crônica a ambientes de trabalho disfuncionais, em que as exigências superam por muito tempo os recursos físicos, emocionais e institucionais do trabalhador.
O termo Burnout foi popularizado por Herbert Freudenberger em 1974, ao descrever o esgotamento emocional de profissionais da saúde submetidos a jornadas intensas e emocionalmente exigentes. Desde então, a literatura científica tem se debruçado sobre o tema, reconhecendo o Burnout como um fenômeno complexo, e com implicações profundas para a saúde mental e o desempenho profissional.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), em sua Classificação Internacional de Doenças (CID-11), o categoriza como um “fenômeno ligado ao trabalho”, e não como uma condição médica, o que reforça seu caráter estrutural.
No Brasil, a situação relacionada ao Burnout é particularmente preocupante. De acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) nosso país lidera os índices mundiais de ansiedade e ocupa a segunda posição em casos de Burnout, perdendo apenas para o Japão. Os dados oficiais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) revelam um crescimento exponencial nos afastamentos por esta síndrome, com um aumento de quase 1.000% em uma década. Ainda segundo as estimativas da ANAMT 40% das pessoas economicamente ativas enfrentam e sofrem com o Burnout, sendo que muitas vezes, os casos são irreversíveis e o trabalhador não consegue mais voltar a ter uma vida produtiva; a energia e motivação necessárias para crescimento pessoal, aprendizado de novas habilidades ou busca de objetivos pessoais são redirecionadas para a mera sobrevivência diária.
Os relatórios disponíveis e citados apontam para a Pandemia de COVID-19 como catalisadora tanto para os casos de desenvolvimento, quanto de agravamento do Burnout em nosso país. Os principais fatores agravantes foram: aumento da carga de trabalho em setores essenciais, trabalho remoto e dificuldades de separação entre vida pessoal e profissional, incerteza econômica e medo de desemprego, isolamento social e redução de redes de apoio e pressões adicionais sobre profissionais de saúde. Parece que esses fatores não foram apenas pontuais.
Um ponto importante é o enfrentamento inadequado dos sintomas e consequencias do Burnout. O consumo de álcool pode inicialmente parecer proporcionar alívio temporário dos sintomas de estresse e ansiedade, mas rapidamente pode evoluir para padrões problemáticos de uso. A dependência de álcool como mecanismo de enfrentamento cria problemas adicionais de saúde e pode exacerbar os sintomas de burnout, criando um ciclo vicioso de deterioração. O uso de medicamentos prescritos, particularmente ansiolíticos e sedativos, pode também se tornar problemático quando utilizado sem supervisão médica adequada ou em doses superiores às prescritas. A automedicação com estes medicamentos pode mascarar temporariamente os sintomas sem abordar as causas subjacentes, atrasando o tratamento adequado.
Em casos severos, a Síndrome de Burnout pode evoluir para situações de risco significativo, incluindo ideação suicida e comportamentos autodestrutivos. A combinação de desesperança, exaustão emocional e perda de perspectiva futura pode levar algumas pessoas a considerarem o suicídio como uma solução para seu sofrimento. É crucial reconhecer que pensamentos suicidas no contexto do burnout frequentemente refletem um desejo de escapar do sofrimento e não necessariamente um desejo genuíno de morrer. No entanto, estes pensamentos devem sempre ser levados a sério e requerem intervenção profissional imediata. Comportamentos autodestrutivos podem incluir negligência deliberada com a segurança pessoal, engajamento em atividades de alto risco ou sabotagem de relacionamentos e oportunidades importantes. Estes comportamentos frequentemente refletem sentimentos de raiva direcionada contra si mesmo ou uma tentativa inconsciente de punição por percepções de fracasso ou inadequação.
O diagnóstico da Síndrome de Burnout requer avaliação clínica especializada realizada por psiquiatra ou psicólogo qualificado. O processo diagnóstico deve incluir avaliação abrangente dos sintomas, história ocupacional detalhada e exclusão de outros transtornos mentais que possam apresentar sintomatologia similar. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina estabelece que o diagnóstico oficial de Burnout requer estabelecimento de nexo causal entre as condições de trabalho e o desenvolvimento da síndrome. Esta exigência pode incluir visita ao local de trabalho e avaliação das condições laborais específicas.
Para um atendimento adequado e chances de recuperação do trabalhador é fundamental distinguir a Síndrome de Burnout de outros transtornos mentais relacionados ao trabalho. Embora possa haver sobreposição sintomatológica, as diferenças devem ser identificadas. Diferentemente da depressão, que pode afetar múltiplas áreas da vida, o burnout está especificamente relacionado ao contexto ocupacional. Enquanto a ansiedade generalizada pode ter múltiplas causas, o burnout tem origem claramente identificável nas condições de trabalho. O estresse ocupacional, embora relacionado, difere do Burnout em sua cronicidade e intensidade. O estresse pode ser transitório e até benéfico em certas circunstâncias, enquanto o Burnout representa uma cronificação patológica do estresse, resultando em deterioração significativa do funcionamento individual.
Entre as abordagens terapêuticas fundamentais devemos destacar a psicoterapia. Abordagens cognitivo-comportamentais têm demonstrado eficácia particular no tratamento da síndrome, focando na modificação de padrões de pensamento disfuncionais e desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais adaptativas. Medicamentos devem ser usados quando necessário, mas sempre acompanhados de intervenções psicoterapêuticas e modificações no ambiente de trabalho. A medicação isolada raramente é suficiente para resolução completa da síndrome.
A prevenção ao Burnout exige uma abordagem integrada. Em nível organizacional, é urgente revisar modelos de gestão, estabelecer limites saudáveis de carga horária, promover reconhecimento, criar espaços de escuta ativa e investir em lideranças humanizadas.
Em nível individual, o fortalecimento da consciência emocional, o autocuidado, o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho e o apoio psicoterapêutico são aliados importantes. No entanto, nenhuma dessas ações isoladas será eficaz se não houver um compromisso institucional autêntico com a saúde mental no trabalho. Burnout é, em última instância, o grito do corpo diante de um modelo de trabalho que exauriu suas possibilidades humanas.

